Livro “Da Pandemia à Guerra: Impacto das Alterações Geopolíticas na Economia Portuguesa”
Da Pandemia à Guerra: Impacto das Alterações Geopolíticas na Economia Portuguesa
PREFÁCIO
Os regimes políticos demoliberais alicerçam-se na combinação de uma vontade de participação cívica com um desejo de preservação da autonomia individual. Sempre que se verifica um desequilíbrio na conjugação destes dois fatores, o regime fica debilitado e instaura-se na sociedade um ambiente de desconfiança propício ao surgimento de uma grave crise institucional. Para que tal não suceda, haverá que ter em atenção os sinais fornecidos pela opinião pública. Nos últimos anos, um pouco por todo o lado, temos assistido à manifestação de um fenómeno inquietante: uma certa fadiga cívica encontra a sua expressão política na adesão a propostas que assentam na depreciação do conflito democrático e na exaltação de um providencialismo justicialista, que atenta contra os mecanismos tradicionais de proteção dos direitos dos cidadãos. A crise que afeta as nossas democracias resulta, em grande parte, da exiguidade de um espaço público de discussão que deve estar situado entre a sociedade civil e o Estado. No caso português, essa insuficiência é por demais evidente.
O Conselho Económico e Social (CES) tem procurado contribuir para a organização desse espaço público, através de múltiplas iniciativas que visam a discussão aberta e alargada dos principais assuntos de interesse nacional. De acordo com essa orientação, empenhámo-nos em promover a realização de um estudo sobre um tema a que atribuímos especial pertinência nas presentes circunstâncias históricas: as grandes mudanças em curso no sistema internacional e o novo enquadramento da sociedade portuguesa daí resultante.
A invasão russa do território ucraniano é expressão de uma transformação profunda, que tem vindo a ocorrer no plano geopolítico e acelera a transição para um cenário que obriga à redefinição das prioridades políticas das grandes organizações regionais e dos países que as integram. Já nos é possível, entre outras coisas, perceber que deste acontecimento bélico resultaram um reforço da legitimidade da NATO – organização que volta a ver reconhecido um papel determinante na defesa das democracias ocidentais – e um aumento da coesão política no interior da União Europeia. Sendo Portugal um Estado-Membro destas duas organizações, importará antecipar as hipotéticas consequências das transformações estruturais que estão a ocorrer, tendo em vista uma atempada e eficaz reação às mesmas. A perspetiva de um novo alargamento da UE, com a integração de vários países da Europa Oriental, constitui razão suficiente para a prossecução de uma reflexão séria sobre o nosso futuro coletivo que esteja estribada em dados informativos rigorosos.
O estudo, que agora publicamos, é o resultado de uma decisão tomada após um debate que ocorreu numa reunião da Comissão Permanente de Concertação Social, realizada poucos dias depois de consumada a invasão da Ucrânia. Nessa ocasião, tornou-se evidente para mim que o CES tinha a obrigação de promover uma ampla discussão nacional sobre o assunto e que tal debate deveria ser precedido da produção de um documento reflexivo que incluísse, simultaneamente, uma dimensão analítica e uma componente prospetiva.
A Universidade do Minho apresentou-nos uma proposta que se distinguiu pela qualidade dos investigadores envolvidos e pela pertinência da metodologia adotada. O resultado final correspondeu inteiramente às nossas expectativas. É óbvio que um trabalho desta natureza acabará sempre por transluzir, de alguma forma, as opções doutrinárias dos seus autores, sendo que, neste caso, elas se afiguram coincidentes com as grandes escolhas feitas pelo povo português nas quase cinco décadas que já levamos de democracia. Tal não significa, porém, que não consideremos do maior interesse o contributo ulterior de quem pensa de forma diversa. Daí a necessidade de uma ampla discussão pública desta matéria.
Em Portugal, temos o mau hábito de atribuir aos infortúnios do destino a justificação para alguns dos nossos maiores falhanços nacionais: é a forma mais simples de nos eximirmos ao reconhecimento das nossas responsabilidades. Na verdade, considero que a maior parte dos nossos insucessos decorrem do facto de estudarmos pouco, debatermos mal e decidirmos levianamente. Estou certo de que esta investigação, que me abstenho de apresentar dada a qualidade da introdução elaborada pelos seus autores, será de grande utilidade para a sociedade portuguesa.
Francisco Assis
Presidente do Conselho Económico e Social